O lendário treinador russo Yuri Semin, figura icónica da história do Lokomotiv Moscovo, voltou a falar de um dos episódios mais dolorosos da sua carreira: a saída do jovem Khvicha Kvaratskhelia do clube em 2019. Na altura, o avançado georgiano estava emprestado ao Lokomotiv, mas o clube optou por não exercer a opção de compra, permitindo-lhe seguir para o Rubin Kazan. Anos mais tarde, Kvaratskhelia tornar-se-ia uma das maiores estrelas do futebol europeu, brilhando com a camisola do Nápoles, onde foi decisivo na conquista do Scudetto de 2023, o primeiro título italiano do clube em mais de três décadas. Para Semin, a decisão de o deixar ir foi não só um erro desportivo e financeiro, mas também uma ferida emocional.
“Foi tudo inesperado para mim e muito, muito dececionante. O Lokomotiv perdeu muito dinheiro, financeiramente falando, e eu perdi um pedaço da minha alma. Khvicha já era um jogador extraordinário naquela altura. Ele teria saído de qualquer maneira, mas o Lokomotiv teria feito um bom negócio”, declarou o técnico numa entrevista recente. As palavras de Semin refletem um misto de tristeza e indignação. Segundo ele, Kvaratskhelia mostrava desde cedo qualidades raras: velocidade, técnica apurada, leitura de jogo e uma maturidade impressionante para a idade. Ainda assim, parte da direção do Lokomotiv não viu o seu potencial.
Yuri Semin, conhecido pela sua frontalidade e paixão pelo Lokomotiv, não poupou críticas à antiga administração do clube. Salientou que a perda de Khvicha não foi apenas um erro de avaliação técnica, mas uma clara demonstração de má gestão desportiva. “Isto tem a ver com a competência das pessoas que decidiram que ele não era adequado para nós. Já nem sequer vão ao estádio. Essa é a pior coisa no futebol: as pessoas vêm, trabalham um pouco e depois desaparecem. Alguém já viu isto em algum jogo hoje em dia? Eu não”, desabafou o técnico.
O técnico recorda que, na altura, havia um conselho de transferências encarregue de avaliar os reforços e os empréstimos. Este grupo terá decidido que Khvicha não seria útil ao plantel principal — uma decisão que hoje parece absurda, tendo em conta o impacto que o georgiano teve no futebol europeu. “Votaram na comissão de transferências que o Lokomotiv não precisava de Khvicha. Como poderia aceitar isso? Obrigado, parabéns? É claro que tinha uma opinião completamente diferente”, completou Semin, visivelmente contrariado.

A saída de Kvaratskhelia representou um rude golpe para o clube, que para além de perder talento promissor, abdicou de uma futura venda que poderia ter rendido milhões de euros. Em contraste, o Rubin Kazan, que acreditou no jogador, acabou por colher os frutos da sua evolução. Pouco tempo depois, o avançado seria transferido para o Nápoles, tornando-se um dos nomes mais valiosos da Serie A italiana. Quando chegou ao Lokomotiv, Khvicha Kvaratskhelia era apenas um adolescente de 18 anos, mas já chamava a atenção pela sua capacidade natural e confiança com a bola nos pés. Sob o comando de Yuri Semin, rapidamente se adaptou ao ritmo do futebol russo, encantando os adeptos com dribles, assistências e um estilo de jogo criativo que fazia lembrar os grandes médios ofensivos da antiga escola soviética.
Semin conta que via no jovem georgiano algo de especial — uma combinação rara de talento técnico e mentalidade vencedora. “O Khvicha tinha tudo: técnica, personalidade e vontade de vencer. Aprendia rápido, treinava muito e queria sempre mais. É o tipo de jogador que um treinador sonha ter”, afirmou o técnico. Contudo, o sonho durou pouco. Decisões internas e divergências entre direção e equipa técnica acabaram por determinar o destino do jogador. O Lokomotiv optou por não investir na sua permanência, e o Rubin Kazan não perdeu tempo em contratá-lo definitivamente.
Yuri Semin, que dedicou grande parte da sua vida ao Lokomotiv Moscovo, continua a ser uma figura venerada pelo adepto. Sob o seu comando, o clube conquistou três campeonatos russos, várias Taças da Rússia e afirmou-se como uma das forças do futebol nacional. Mesmo afastado do cargo há alguns anos, Semin nunca escondeu o seu amor pelo clube e continua a acompanhar de perto o seu rumo. O episódio com Kvaratskhelia, no entanto, permanece como uma ferida aberta, símbolo das dificuldades que o Lokomotiv enfrenta para manter uma gestão sólida e coerente.
“Treinar é mais do que ganhar. É descobrir talentos, formar pessoas e ver o crescimento de quem acredita em ti. Khvicha foi um desses casos. Ele estava pronto para brilhar, e nós deixámo-lo escapar”, lamentou o técnico. Hoje, ao ver o jogador brilhar na Europa, Semin sente tanto orgulho como dor. O orgulho de ter contribuído para o desenvolvimento de um talento mundial; a dor de saber que o Lokomotiv desperdiçou uma oportunidade única.